O Conceito de Linha Central
Por Mestre Alex Magnos
É fato que, desde seu nascimento, o Wing Chun tem sido interpretado e reinterpretado por inúmeros praticantes que atingiram seu domínio e, claro, também, por praticantes que, nem mesmo, arranharam a superfície de suas camadas mais básicas. Mesmo assim, dizer que as interpretações daqueles que o dominaram não seriam originais, resulta de uma descomunal falta de conhecimento da própria essência do Wing Chun que, diferente de todos os outros métodos beligerantes, seja oriental ou ocidental, não tem seu alicerce em um aglomerado de técnicas, mas, muito pelo contrário, seu embrião está arraigado em Princípios e Conceitos, cuja interpretação leva à possibilidade de partejar um conhecimento palpável que denominamos Mecânicas de Estratégia e Tática. É esse conhecimento que deixamos os estudantes iniciantes pensarem comumente como “técnica”, mas ao avançar da prática, em conjunto com o ganho de experiência, o mesmo praticante deixará de ver a técnica e passará a ver, exatamente aquilo que é, Mecânicas nascidas de Princípios e Conceitos.
Desde já, gostaria de dizer que esse artigo, de forma nenhuma, traz consigo a intenção de corroborar, nem vituperar ou censurar, a compreensão de outras escolas e ou linhagens acerca deste que é o conceito ou ideia fundamental no Wing Chun – Linha Central -, sobre o qual, todas as demais ideias adjacentes são construídas. O Wing Chun é um método muito antigo de arte marcial chinesa, muito mais antigo do que a maioria de seus praticantes acredita; assim, em seus séculos de existência e transmissão, a arte foi ganhando diversas interpretações diferentes, com base em visões particulares, muitas vezes subordinadas à experiência daquele que galgou sua maestria. É sabido que quando usamos o termo “original” para classificar alguma coisa, faz-se necessário ter em mente o sentido de “origem”, ou seja, seu nascimento, seu surgimento; mas, assim, ao pensar em termos de “original”, não devemos dizimar a autenticidade de uma interpretação individual sobre algum Conceito do Wing Chun, uma vez que uma interpretação única e individual é, em sua essência, tanto original quanto autêntica de uma só vez, embora, verdade seja dita, que, ser “original’ ou “autêntico”, não reflete, em absoluto, que tal interpretação seja, de fato, um produto de palpável eficiência.
Como exemplo tomamos o Conceito ou a Ideia de Linha Central como interpretada no Wing Chun de nossa família – Lung Ga Kuen inspirada no Sistema Hung Fa Yi Wing Chun. Diferente das interpretações mais comumente difundidas sobre a Linha Central, ou seja, uma composição de dois vetores ou linhas que dividem o corpo em duas metades ou hemisférios e então projetam-se à frente, gerando, assim, o centro do praticante – no Wing Chun de nossa família, o Conceito de Linha Central remonta a um verso escrito em cantonês que data da antiguidade do Wing Chun dentro da Sociedade Hung Mun, ela que é o principal elo entre o embrião nos Templos Shaolin e o advento da era moderna. O verso diz:
Saam dim yat sin, ding yun san – Ng dou luk mun, fa kin kwan
Três pontos, uma linha, estabelecem a natureza original – Cinco caminhos, seis portais, influenciam o universo
Este verso é uma alusão bastante clara à antiga fórmula encontrada no Wing Chun da Sociedade Hung Mun, fórmula essa requerida para a preservação e o estabelecimento da natureza tridimensional das estruturas combativas do Wing Chun em um indivíduo; mas nosso objetivo, nesse artigo, não é aplicarmo-nos a uma análise profunda de todo o verso, senão ao que ressalta à frase que compoem a primeira do verso. No Wing Chun de nossa família, o conceito de Jung Sin (Linha ou Eixo Central) está além do que é comumente propagado. Mesmo existe uma diferença prática quando Jung Sin é pensado como “Eixo Central” à parte de “Linha Central”. Para melhor compreensão, estabelecemos que Eixo Central é o elemento primeiro, o embrião primordial do qual surgirão todos os demais elementos formadores da natureza original do Wing Chun para aplicação da estrutura espacial tridimensional. Assim, para identificar esse elemento primordial, é necessário ver o corpo do praticante como uma circunferência cujo ponto zero representa o elemento que denominamos Eixo Central ou, no chinês cantonês, Jung Sin. Esse Eixo Central expande em diâmetro ad infinitum, ou seja, uma projeção potencial em ângulo de 360° graus. Essa expansão do Eixo em 360° graus, denominamos de Linha Central Potencial e, obviamente, pode apresentar-se potencialmente em todo o raio dessa circunferência. Quando o praticante utiliza seus braços para ocupar um determinado momento espacial, aplicando assim, o Conceito denominado Jong Sau ou Estrutura de Braços, estará gerando uma transição dessa ideia de uma Linha Potencial para Concreta ou Real e é, exatamente, essa que denominamos Linha Central. Isso implica que, em primeiro lugar, a expressão de Linha Central independe de que os braços de um praticante estejam ocupando um momento espacial ou não e que, em segundo lugar, a expressão da Linha Central vai além de um vetor fixo, mas aplica-se ao diâmetro de abrangência do alcance diametral tridimensional do praticante.
Uma vez identificado esse ponto inicial zero ou Eixo Central e sua projeção potencial para real ou concreta, entendemos que toda a energia aplicável na ação do combate, seja ela passiva (Yum) ou ativa (Yeung), ou, mais exatamente, defensiva ou ofensiva, deve partir do ponto zero e ser projetada para o ponto zero. Colocando de outro modo, a ação Yeung (ofensividade) deve partir do Eixo Central de um praticante e ser direcionada ao ponto zero ou Eixo Central do oponente. Da mesma forma, toda energia Yeung (ofensiva) direcionada ao Eixo Central ou ponto zero da circunferência do praticante, deve ser redirecionada ou dispersada de forma a não ameaçar esse Eixo, sendo assim transformada em energia Yum (passiva). Essa ação resulta no que em nossa família de Wing Chun chamamos de Domínio de Eixo ou Domínio do Centro. Isso corresponde à frase “Yat Sin”, ou em chinês cantonês, “um eixo” ou linha, do verso supracitado. Esse domínio tridimensional do Centro é resultante, também, da compreensão de um outro conceito irrevogável e indispensável do Wing Chun – Tin Yan Dei, ou em chinês cantonês, Céu – Homem – Terra. Tin Yan Dei é comumente identificado como As Três Áreas Referenciais para representação de uma das três dimensões físicas nas quais o Wing Chun aplica sua natureza primordial. O Conceito de Tin Yan Dei – Céu, Homem, Terra – corresponde à frase “Saam Dim”, ou em chinês cantonês, “três pontos”. Somente quando o praticante obtém domínio sobre o Conceito de “Saam Dim” (Três Pontos) e Yat Sin (Um Eixo), é que será possível ao mesmo expressar as ideias de Linha Central Potencial e Real ou Concreta, resultando no que denominamos Jung Sin.
Uma vez compreendido as ideias que fundamentam o Jung Sin ou Eixo Central com sua estrutura tridimensional, o praticante depara-se com uma outra expressão de Linha Central. Essa, diferente da ideia anterior, é um vetor fixo que divide o corpo ao meio. Essa, diferente daquela primeira, é aplicada para a expressão de posicionamento e controle de Portais Tridimensionais, mas não de energia. Essa, por ser um vetor fixo, seu redirecionamento está subordinado ao reposicionamento do praticante, já a Linha anterior não tem seu direcionamento dependente do posicionamento do praticante. Embora ambas sejam chamadas de Linha Central, as duas são essencialmente diferentes. Essa é uma das razões pelas quais, em nossa família, não cobrimos a Linha Central, mas dominamos o Centro; pois, em nossa compreensão, Linha Central, seja ela Potencial, Real ou Vetor Fixo, é apenas um elemento em meio a um universo maior.
Em suma, Saam dim yat sin (três pontos – uma linha) expressa a importância do centro de gravidade em relação ao Tin Yan Dei (Céu, Homem, Terra) e essa consciência gera a compreensão dos componentes verticais e horizontais da prática do Wing Chun em nossa família, que por sua vez, podem ser estendidos ao treinamento externo e interno; onde externo representa o alinhamento apropriado do corpo para fundamentar a estrutura corporal de golpe fazendo uso do espaço tridimensional, quando interno representa o alinhamento apropriado corpo para proporcionar a estrutura corporal para o cultivo da energia.
**************
Sobre o autor: Sifu Alex Magnos é o fundador da SBA Wing Chun. Instrutor com vasta experiência em Hong Kong / Ip Man Wing Chun, Hung Suen, Hung Fa Yi, Haak Kei Mun, contando com quase 40 anos de prática de Wing Chun Kung Fu, dos quais mais de 20 anos foram dedicados ao ensino da arte. É instrutor o chefe nacional em Wing Chun como transmitido pela Lung Ga Kuen – Família Dragão – que representa o núcleo da Shaolin Boxing Association e é o líder do Hung Fa Kwoon Fortaleza ( hungfakwoon.com.br ).
Sifu Alex Magnos pode ser contatado através de:
Facebook: sbawingchun
Twitter: @sbawingchun
Youtube: OficialSBAShaolinWingChun
email: sbawingchun@gmail.com